domingo, 27 de outubro de 2013

O Homem de Aço

“Eles vão correr, tropeçar, cair, engatinhas e praguejar, e, finalmente, eles se unirão a você no sol.” Um novo Super-Homem se impõe. Ao sair do cinema, um monte de implicações e explicações dessa imposição vem à mente. Mas, no meu caso em particular, todas as considerações tiveram de ceder a prioridade no momento em que os créditos começaram a aparecer, pois foram interrompidas pela salva de palmas dos expectadores. Só havia visto um publico de cinema aplaudir em “Os Vingadores”, mas, diferente dos heróis da Marvel que receberam palmas na cena-chave da reunião em circulo que já tinha sido vendida pelo marketing como um hit de sucesso planejado, os aplausos para o Homem de Aço foram de espontânea satisfação após um épico conturbado, mas esta conturbação é apenas uma das inúmeras implicações e explicações. Não é de hoje que se criticam as histórias do Christopher Nolan por serem frias demais, suas obras são mais de idéias que de emoções, seu roteiro para uma aventura do Superman não foi diferente. Para quem viu a versão de 1978, é impossível não sentir falta dela durante a jornada de auto-descoberta de Kal-El, muito mais bonita na versão de Richard Donner do que na de Zack Snyder. Por isso fica o receio durante o terço do meio do filme de que a imposição do novo Superman não seja bem-recebida pelo publico. Outra questão que fica é que, apesar das histórias do Nolan serem sustentadas por idéias, isso não significa que todos os seus roteiros sejam primorosos, e “Mano f Steel” passa a impressão de ter o roteiro com menor numero de paginas entre os demais escritos por ele. Não, isso não quer dizer que o roteiro seja ruim, mas parece que o que foi priorizado formas os efeitos especiais para representar a destruição em massa. Mas há um porém nessa prioridade: trata-se de um filme do Superman. Para explicar melhor esse porém, precisarei de outra nota pessoa. Ao ver um filme derivado de qualquer outra mídia sempre tento julga-lo pensando “esse filme seria considerado bom se já não tivesse tantos fãs que gostam do material original?”. Quero dizer, uma dos melhores elogios que vi para o filme “O Cavaleiro das Trevas” foi que ele seria bom mesmo que não tivesse o Batman e o Coringa na tela, dado o realismo do filme e a força da história, o espectador ficaria tão fascinado que gostaria mesmo que o Batman fosse um simples policial e o Coringa um terrorista qualquer. “O Homem de Aço” pode ser julgado de tal forma? É aí que vem o porém: Superman é o mais poderoso e significativo personagem de quadrinhos. Ele foi o primieor super-herói a ser criado e em seus 75 anos de existência recebeu camadas e mais camadas de significados e simbolismos, o personagem se torntou tão grande que não pode ser dobrado e adaptados aos caprichos de um filme, mas ele é que se impõe ao filme. E agora retomo o ponto da prioridade dos efeitos: Superman é um deus e exige uma aventura em uma escala impossível de ser feita sem os efeitos especiais que temos hoje, foi priciso se concentrar na ação e nos efeitos para caber no filme um personagem de tal grandeza. No presente isso é necessário para trazer de volta o Superman em toda a sua majestade, o que não exclui a questão “será que no futuro, quando o fã já souber a coreografia das lutas de cor, o filme não se tornará enfadonho?”. Temo que a resposta seja infeliz, mas, quem sabe?, dada a profundidade do personagem, ele possa impor sua importância e significados sobre a exaustiva destruição constante? Isso acontecerá se as seqüências tiverem mais cuidado com os roteiros. Mas apesar desses vários parágrafos sobre efeitos-especiais e longas considerações, eles servem também para retomar o segundo parágrafo e reconsidera-lo. Apesar da frieza e didatismo do meio do filme que pecam se comparados ao de 78, é impossível não se encantar com o mundo de Krypton apresentado logo no começo, nem deixar de vibrar com pelo menos algumas das lutas entre kryptonianos na parte final, algumas das melhores cenas de ação já produzidas. E já que retomei o segundo parágrafo, é importante resaltar a forma como o Nolan constrói uma história, alicerçando-a em idéias mais do que em emoção. Se ao expectador médio faltar a sensibilidade intelectual necessária para perceber as idieas sendo ecoadas nas frases e trabalhadas nas ações, este expectador pode até terminar o filme com uma sensação boa. Mas para quem consegue captar essa dicotomia, a experiência será mais rica. A idéia central do filme é o livre-arbítrio. Os kryptonianos são gerados artificialmente e suas características genéticas são definidas para desempenhar um papel social. Kal-El foi gerado naturalmente, ele não tem um propósito definido, portanto ele pode se tornar o que quiser. Jonathan Kent lhe deixa até a escolha de optar pela maldade quando diz “você deve decidir que tipo de homem vai ser quando crescer, porque, seja ele bom ou mau, vai mudar o mundo.” Para entender a complexidade do tema,podemos até lembrar da trilogia “Matrix”: se no primeiro filme o vilão Smith persegue Neo por ser esta a missão que recebeu, no segundo filme ele o persegue porque Neo o libertou da Matriz e assim, sem ter quem lhe dê propósito, Smith encontra propósito em perseguir e se vingar daquele que lhe tirou esse propósito dando-lhe liberdade. Liberdade tem relação com propóstio, como exposto no exemplo acima, mas se pensarmos na perspectiva sartreana, liberdade acarreta em responsabilidade: “eu sou livre para fazer o que quiser, escolher o que quiser, então também sou responsável por tudo que faço.” Isso coloca uma carga enorme nos nossos ombros e uma maior ainda nos de alguém tão poderoso quanto o Superman. Não é denegrir o maior herói da DC Comics ao citar a moral do personagem da editora concorrente: com grandes poderes vêm grandes responsabilidades. Kal-El é um refugiado em nosso plante, e revelar seus poderes implica em se expor, e sua exposição tem tudo a ver com a questão da liberdade e da escolha. Em dois momentos chaves do filme, Kal-El tem de escolher entre a vida e a morte de alguém. É interessante notar que sem se expor, ele não tem liberdade, e as conseqüências são terríveis, mas, quando se expõe e tem de escolher, a responsabilidade é tão grande, as escolhas são tão mais difíceis que parece até que ele perdeu sua liberdade e ficou sem escolha. Esse segundo momento foi o único que gerou burburinho na platéia até então muda da minha sessão, e sem duvida foi a decisão mais polemica entre todas da produção desse filme. Mas se você tiver a sensibilidade para ver esta obra como um filme de idéias, você sairá transformado e nunca mais verá as coisas como antes. E, que sabe?, transformado assim você possa decidir ser uma pessoa melhor, alguém moralmente mais forte, superior, um super-homem que ajudará as pessoas a realizar maravilhas, que lhes dará um ideal pelo qual lutar, que as fará segui-lo e, mesmo tropeçando, unir-se-ão todos no sol.

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Contra o Fluxo


Que a maioria das pessoas é acomodadas e preguiçosas, todos já sabem. Que política no Brasil já se tornou sinônimo de corrupção, todos já sabem também. Sabem e se limitam a isso, porque tentar mudar as coisas é difícil, aceitar o mal é fácil. Falta boa vontade para se colocar contra todo o sistema que se construiu com base na acomodação. Mas como se combate isso?
Será que não há ninguém que se não se limite a reclamar, mas que se levante contra a corrupção? Existem várias pessoas assim. Elas podem ser encontradas em jornais, em livros, em blogs, na TV, no radio. Estão em toda a mídia, em todo lugar, não é difícil encontrá-las. Na Roma antiga as discussões políticas eram feitas na rua. Séculos atrás, em várias partes do mundo, os intelectuais se reuniam nos bares e expunham suas idéias lá. Filósofos não formam um grupo hermético, eles divulgam seus conhecimentos ao ar livre. Não é a falta de pessoas lutando contra os maus costumes, o problema é que ninguém lhes dá ouvidos.
Não se pode culpar as pessoas por simplesmente não terem paciência para assistir um documentário de um historiador político ou por não se interessarem em ler o caderno de economia dos jornais, isso são hábitos que se adquirem aos poucos, com paciência e boa vontade; mas não se pode desculpar as pessoas que simplesmente não querem pensar e abrir os olhos. Mesmo que entrevistas com analistas políticos não sejam emocionalmente estimulantes para que o espectador leigo em política acompanhe, a área do entretenimento está repleta de intelectuais que criam obras que divertem e instruem ao mesmo tempo.
Claro que na mídia, assim como em tudo, encontra-se elementos positivos e negativos. Filmes privilegiam cenas de explosões e sexo ao invés de um roteiro com o mínimo de coerência; tramas de novelas se perdem em questões fúteis, clichês e o politicamente correto (ou em deixar de lado o politicamente correto, mas mantendo a futilidade no desafio, em vez de revolucionar a mídia); e as musicas professam valores utópicos, idílicos, em total falta de sincronia com o mundo atual (exceto com os adolescentes com visões romanticas de mundo). Mas, enquanto isso, artistas com suas próprias opiniões e visões de mundo lutam quase como Dom Quixote, sempre confiantes de que irão mudar o mundo, ou que seu exemplo servirá de inspiração para que no futuro ele seja melhor.
Alguns se levantam e enfrentam o terror e o absurdo do mundo, não apenas reclamam e xingam os políticos, a vida, Deus, mas apresentam opções e, de vez em quando, soluções; eles não se excluem do mundo cruel, mas participam ativamente dele para melhorá-lo. Não são poucos, não são fracos, nem utópicos, alienados. Apenas não são ouvidos pela grande maioria que não se cansa de falar mau, mas não esta disposta a mover um dedo para mudar algo, aceitando e se acostumando com a situação. Nunca a habilidade de adaptação da espécie humana foi usada de forma tão banal. Sorte que há aqueles que não conseguem se adaptar, e vão negar até a seleção natural, enquanto tiverem seus sonhos.

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Bom-senso para crianças


Comerciais são formas de anuncio de coisas, geralmente de produtos à venda, mas podem também ditar tendências e formas de conduta, principalmente para pessoas de mente fraca ou em formação. Mais preocupadas em chamar atenção do que no nível de bom-senso da propaganda, as empresas não raro extrapolam em seus comercias. Há quem julgue que seja errado haver restrições criativas aos comerciais, mas tendo em vista seus respectivos públicos, existem casos em que seria bom haver quem julgasse o nível de bom-senso em certos comerciais, como os destinados à crianças.
Crianças são pessoas com personalidade ainda em fase de formação, no geral sensíveis à influencias externas. Propagandas ( principalmente de televisão) são chamativas, ficam marcadas na mente das crianças. Comerciais que as induzam à maus comportamentos não deveriam ser veiculados para evitar que seu público associe a má educação com a recompensa de ganhar o produto. Um exemplo interessante disso acontecendo é mostrado no filme “A Creche do Papai”, numa cena em que os responsáveis por vender uma marca de doce para crianças discutem como devem fazer o comercial, e um deles argumenta “talvez seja difícil convencer os pais a comprarem isso para seus filhos, a menos que as crianças comecem a bater suas cabeças no chão e não parem até que seus pais finalmente comprem!”
Há muitos comerciais que induzem a criança ao mau comportamento, ainda o associam à uma recompensa. É dever dos mais educar os filhos, mas se a mídia mais atrapalha do que ajuda então é justo haver restrições ao que é veiculado. E independentemente de quem é responsável pela educação, existe ainda o bom-senso que deveria ser seguido nos comerciais. Propagandas que mostram crianças gritando, batendo, chutando, esperneando, chorando para conseguir o que querem do pais é de muito mau gosto, e nesse caso não se pode argumentar que senso e gosto sejam particulares a cada pessoa.
Liberdade artística é uma coisa, mas não se pode deixar passar tudo quando se tem me mente trabalhar com pessoas que ainda estão aprendendo a discernir entre o certo e o errado. Existem várias propagandas que mostram crianças se comportando e ganhando uma devida recompensa por isso. Se é possível chamar a atenção da criança sem confundí-la quanto às definições de bom e mau, porque aceitar o que prejudica não só à ela mas também aos pais?

quarta-feira, 27 de julho de 2011

A Função Social da Religião para além de Deus ou se Deus não Existe

Este discurso não tem como propósito discutir a existencia ou inexistencia de Deus; não deve ser lido ou entendido como uma manifestação ateísta ou contra Deus de forma alguma; é apenas uma consideração à respeito do significado do culto religioso dentro da sociedade. Minha opinião pessoal quanto ao que se refere à definição de Deus é que Ele é a força que mantem o Universo em harmonia; sendo algo abstrato, não creio que Ele tenha consciencia, muito menos que Ele julgue cada uma das pessoas como boas ou ruins. Sendo uma força inconsciente, de nada serve a oração ou os cultos religiosos? A religião tem função social unificadora, é o momento em que pessoas se reunem para entrar em contato umas com as outras de forma mais profunda, em que elas pensam no que conquistaram e no que perderam, para auto-conhecimento próprio e da comunidade, para que cada um sinta que faz parte de uma sociedade.
Fui chamado para participar de um “jantar de ação de graças” na casa de uma amiga há algum tempo atrás. Mesmo tendo ciencia de que o jantar teria certo cunho religioso, não esperava encontrar um verdadeiro culto. Mas, apezar de nem eu, ou outros convidados participarmos do culto como integrantes da religião, estar lá naquele momento, ouvindo as histórias de perda e de superação de cada individuo foi uma esperiencia social linda e profunda.
Como na antiguidade em que as pessoas se juntavam em torno de uma fogueira para contar histórias inspiradoras sobre heróis e monstros, ou relatar suas experiencias reais, ir à um jantar exclusivamente para conversar sobre a vida, seus caminhos e significados com pessoas desconhecidas foi uma experiencia que apenas a religião permite. Há vários ambientes que permitem sociabilização, como a escola, o trabalho, a vizinhança; mas para se fazer ouvir dentro dessas ambientes é necessário conquistar a atenção das pessoas, o que não é preciso num ambiente religioso, pois basta estar dentro que todos o tratam como conhecido; não é preciso se preocupar em conquistar o respeito e a atenção das demais pessoas, basta levantar a mão e falar “tenho algo a dizer.”
Foi assim que comecei a pensar se não haveria algo mais na religião do que um onjunto de dogmas e teorias metafísicas, e percebi uma outra função da religião: sua função social.

segunda-feira, 9 de maio de 2011

Egocentrismo no nascimento da Sociologia

Ao longo de toda a História, os pensadores foram, em sua maioria, pessoas financeiramente tranquilas, sem grandes preocupações para sua sobrevivencia, o que lhes permitia refletir. Enquanto os pobres e trabalhadores mantinham o mundo girando, os filósofos discutiam entre sí e sobre sí, ou seja, sempre a partir do próprio ponto de vista. Assim a Sociologia nasceu no egocentrismo, por homens europeus, adultos, abastados, brancos, cristãos, letras. Sullivan Charles Barros, em seu artigo Direito e Diversidade, expõe essa unilateralidade no inicio da Sociologia e seu desenvolvimento ao longo dos séculos.
No mínimo duas vezes o autor repete essa lista de características dos primeiros sociólogos, e reitera algumas delas separadamente ao longo do texto. A Europa foi o centro cultural e econômico do mundo durante vários séculos, garantindo sua supremacia sobre o resto do mundo. Assim os europeus acreditavam-se superiores ao resto do mundo.
Depois o autor comenta o papel das revoluções industriais e francesa na divisão social dos indivíduos. O sistema capitalista só funciona com a dualidade social do dono do capital e o trabalhador que vai consumir (pagando mais caro para o dono do capital) aquilo que ele mesmo produziu.
O dualismo, ou melhor, a diversidade é uma questão importantíssima na sociologia, já que ninguém é igual a ninguém. É a diferença entre indivíduos (e até entre povos inteiros, nações) que movimenta o mundo. Além da relação de trabalho já mencionada, pode-se exemplificar com o sentimento nacionalista, que só ocorre se há outra nação com a qual se contrastar; países se formam quando os indivíduos reconhecem que possuem a mesma cultura (língua e passado comum), uma moeda única e um inimigo em comum (alguém diferente); o militar e filósofo Carl Von Clausewitz afirmou, em seu livro Da Guerra, que a guerra é uma continuação da política; e Otto Von Bismarck viu na guerra a chance que a Alemanha precisava para fazer crescer sua economia. Até mesmo em filmes e desenhos animados é possível perceber a importância política e econômica da guerra, ou seja, da diversidade. O vilão do longa-metragem de animação Os Incríveis enriqueceu produzindo e vendendo armas.
De volta ao artigo Direito e Diversidade, Charles Barros aponta a visão unilateral européia, capitalista e cristã que tornou os demais povos subalternos. Indo além da crítica à exploração daqueles que são diferentes, o autor também discute a questão de quando alguém dentro dos padrões dos dominantes tenta se colocar na situação dos dominados, alegando que quem faz isso apenas usa o outro para uma reflexão sobre si.
O autor conclui o texto alegando que aceitar as diferenças não é tentar se colocar no lugar do outro, mas fazer com que todos, sem distinção por idade, sexo, etnia, religião, tenham as mesmas oportunidades sociais (isso é: no mercado de trabalho, da educação, nos locais de lazer e em todos os locais e instituições).

sábado, 23 de abril de 2011

Relação Indivíduo e Ambiente 3: O Confronto Final – Como o cinema tem trabalhado a questão da Realidade


A Realidade não é o mundo material, fisico, em que andamos. Também não seria correto afirmar que é o mundo individual, fantasioso, o mundo que existe apenas na mente de cada um. A Realidade é construida pela relação ente o objetivo e o subjetivo. Para trabalhar essa questão temos como exemplos mais recentes os filmes “Sucker Punch-Mundo Surreal”, “The Inception” (ou “A Origem”, como veio para o Brasil) e “Cisne Negro” (“Black Swan”, no original), que serão comparados, neste texto, com filmes mais antigos que têm como tema essa mesma questão: “Fight Club” (“Clube da Luta”), “The Matrix” e “Truman Show” (“O Show de Truman”), começando com Cisne Negro e Clube da Luta, que trabalham mais o idivíduo do que sua relação com o mundo físico.
O que diferencia o Clube da Luta e Cisne Negro dos demais filmes é que estes tratam da construção da personalidade ou do individual pelo relacionamento com o mundo externo, enquanto a temática dos demais é o relacionamento ou o conflito em sí entre indivíduo e ambiente. No Clube da Luta o protagonista sempre procura um ambiente confortável para ele, uma forma de se sentir bem, de preencher o vazio que sente em sí mesmo. Para tanto, ele apela para um monte de soluções, e abandona cada uma sempre que surge algo que o faça se sentir mehor, como um viciado sempre à procura de uma droga mais forte. Ele começa com remédios anti-depressivos, passa para o consumismo exagerado, grupos de auto-ajuda, até que sua personalidade seja totalmente libertada quando começa seu relacionamento com Tayler Durden. Tayler o faz sentir bem, relaxado, despreocupado. Um terço do filme trata do protagonista procurando o melhor método para alcansar a felicidade, o segundo terço mostra a assimilação da sua personalidade à personalidade do Tyler, e a ultima parte é o conflito entre os dois; ou, em outras palavras, o personagem tem de matar seus pais, seu deus e seu professor (http://pt.wikipedia.org/wiki/Fight_Club).
Cisne Negro é como o Clube da Luta: a protagonista tem de atingir as expectativas das pessoas com quem convive, sua personalidade vai mudando de acordo com os relacionamentos que ela procura para atender às expectativas. Seu desejo interno (ser perfeita) só será alcansado se ela cumprir o desejo do ambiente (ser a atriz que a companhia precisa). Em ambos os filmes, a personalidade/individualidade/identidade dos protagonistas é construida através da relação com o ambiente ao seu redor.
Enquanto estes dois filmes mostram uma personalidade em constante mudança por causa da Realidade em que vivem, os demais filmes estão mais interessados em explorar a relação entre subjetivo e objetivo de seus respectivos personagens com os ambientes. Nessas histórias (com exceção de Sucker Punch) existe o dualismo Mundo Fisico (também chamado de Real) X Mundo dos Sonhos.
Matrix e Truman Show são histórias de libertação, mais do que de discução sobre a natureza da realidade. Nesses dois, os protagonistas descobrem que o mundo em que vivem é falso e a trama mostra como eles farão para se desfazer da ilusão. (em Show de Truman é como ele vai sair desse mundo e em Matrix é como o mundo será destruido) Acontece que ambos os filmes trabalham com o fato de existir de fato um mundo irreal em que não há possibilidade das pessoas serem realmente felizes (em seus respectivos contextos), por isso eles devem se libertar, ficando a discução sobre a realidade em segundo plano. Ainda que Matrix brinca um pouco com essa questão, como quando Morpheus pergunta “o que é real? Como você define real? Se real é tudo aquilo que você pode tocar, ver, sentir e cheirar, então a realidade nada mais é do que um conjunto de correntes elétricas interpretadas pelo cérebro”, ou seja, o filme sugere algumas hipóteses para a definição da realidade. Talvez a maior reflexão que se possa fazer apartir de Truman Show seja procurar um valor intrinseco no mundo fora da ilusão que o faça valer mais do que esta, mesmo que ambos sejam identicos (um personagem até mesmo diz que em ambos os mundos os problemas são os mesmos, a única diferença entre eles é que dentro da ilusão, Truman não teria oque temer); mas trabalhar com um mundo verdadeiramente irreal, ou seja, ceder ao dualismo, perde a força da sutileza e da verossimilhança. São filmes ótimos para quem quer ver essa questão como temática, mas fico pensando que “O Guru do Sexo”, que não usou a discução como tema, mas sim, de uma forma mais prática, não seria mais valido para não-filosofos justamente por sua praticidade.
The Inception se apega à um único lado do dualismo, brincando com ele mas, mas não de forma tão inteligente ou filosoficamente imprecionante como muita gente pensa. Este usa a idéia de sonho-dentro-de-sonho, permitindo imagens fascinantes, mas sem interesse intelectual nessa idéia em sí (ok, o problema de “como implantar uma idéia para fazer com que um empresário liquide com sua própria empresa” é muito bacana e original, mas o filme não nada culto ou filosófico, as comparações com Matrix são exageradas)
Fugindo a todo dualismo e trabalhando a questão da relação entre o individuo e o ambiente melhor e de forma mais completa que os demais, Sucker Punch- Mundo Surreal aparece com uma história simples, descompromissada até. Seu enredo de aventura e fantasia sem intenções filosóficas ou intelectuais tem uma trama simples, demasiadamente simples: uma garota precisa fugir do manicomio onde foi jogada por seu pérfido padrasto. Ponto, nada de mais, basta roubar a chave do portão e causar uma distração para fugir. Seria até sem-graça, mas o filme desce um nivel da realidade, do mundo material para o mundo subjetivo da protagonista. Só vemos o manicomio no começo e no final do filme, mas todo o desenvolvimento se passa em uma casa de show, ou melhor, numa metáfora do hospital. Não vemos a protagonista tentando fugir do hospital, mas da casa de show, que é um nivel abaixo da realidade objetiva, um pouco mais próximo da mente da personagem. Em cada uma das etapas do plano da garota para fugir do casa de show/hospicio também descemos mais um degrau da realidade, vemos aventuras cheias de ação e fantasia. Mas em nenhum momento o mundo da mente da protagonista foi um subterfugio contra o mundo fisico, mas sim, uma forma da personagem interagir com este. Ela não se vê em uma casa de show para esquecer que está presa num hospício, mas tenta fugir da casa que é, na verdade, o hospital. Aqui se quebra o dualismo, o mundo dos sonhos não é mais uma antítese do mundo material, mas sim, o mundo através do qual a pessoa interage com a realidade exterior.

quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

Liberdade é pouco. O que eu desejo ainda não tem nome.


A Existência segue a Essência ou é o contrário? Ambas se criam juntas e constroem uma a outra. A Existência é a manifestação da Essência, mas aquela possui inúmeras formas, sendo então a Essência infinita e tão subjetivo que não se pode por em palavras, uma vez que definir é limitar. Do ponto de vista existencial, a Essência é o Não-Existencial. É como se ela fosse o Nada, ou fosse nada. Assim sendo, pergunta-se se algo possui valor em si, intrínseco. Talvez a terrível resposta seja não.
Então de que vale Liberdade, Verdade, Integridade, Identidade? Talvez o Valor Real não tenha nome, se houver algo a ser considerado maior. “A ser considerado maior” esse termo merece atenção, esses ideais só têm valor se as pessoas lhes dão, se consideram importantes. Como sempre, o problema é a escolha. O niilismo que nos cerca pode parecer assustador.
Então qual é o maior dos valores? O que falta receber nome? Por que Liberdade é pouco? A condenação é quase insuportável, as responsabilidades são tantas, que muitos prefeririam o conforto de não ser dono da própria vida. Talvez alguns acreditassem não serem capazes de ser felizes assim. As pessoas só querem ser felizes, quem há de culpá-las?
E se a Liberdade acarretar em outras coisas? Os personagens da HQ e Filme “Watchmen” perdem a liberdade ao ter de colocar na balança a Verdade em um prato e a Paz em outro. A linha que divide a Liberdade e a Libertinagem, assim como o Bem e o Mal, torna-se tênue, fazendo com que o vilão se torne herói e o herói, vilão; e, pior, justifica um holocausto e torna o herói um assassino. “Uma paz fundada na mentira” “mas Paz acima de tudo” “você tem de proteger esta utopia, que diferença faz mais um cadáver entre suas fundações?”
Um dos momentos mais tocantes da HQ/Filme “V de Vingança” é quando é contada a história da personagem Válerie. Prisioneira de guerra, Valerie vê que não pode ter sua liberdade de volta, nem sua vida, nem a pessoa que ela amava. Ela sabe que morrerá logo, mas até a vida perdeu o valor. Mas ela não se perdeu, mas sim, descobriu sua Integridade. Homossexual num mundo extremamente preconceituoso (ela conta de quando “diferente” virou sinônimo de “perigoso”, sem entender porque as pessoas odiavam tanto os diferentes ), desde cedo ela se perguntava como poderia ser feliz, por que ser quem ela era chateou tanto os seus pais?, seria ela uma egoísta? Não, ela manteve sua Integridade, descobriu algo que realmente importava.
Mas o protagonista dessa história, chamado V, teve a mesma experiência que Valerie, e descobriu, primeiramente, outra coisa: o ódio. “Eu só conhecia o ódio, ele construiu meu mundo. O ódio me ensinou a comer, a beber, a respirar. Pensei que morreria com tanto ódio nas minhas veias.” Seu maior valor foi o ódio e o enredo se desenvolve sem que se distinga se V é um libertador ou um opressor, um herói ou um louco atrás de vingança, podendo ser ele mesmo uma ameaça ao que acredita.
Mas V lutou pela liberdade, acima de tudo. Para ele, a liberdade foi mais importante que a integridade. “Ele pensava mais na vingança do que nela.”
Valerie disse que Integridade nos torna livres. No prefácio da edição brasileira do livro “Matrix- Bem-Vindo ao Deserto do Real”, o editor menciona o livro “1984”, de George Orwell, dizendo “Em um mundo onde o Estado domina e nada é de ninguém, mas tudo é de todos, tudo que resta de privado são os poucos centímetros quadrados do nosso cérebro.” Centímetros esses que foram violados no filme “The Matrix”. Mas Trinity alega que “a Matriz não pode lhe dizer quem você é.”
Integridade e Verdade estão relacionadas. Valerie, Evey (também de “V de Vingança”) e Neo (de “The Matrix”) não poderiam ser íntegros (verdadeiros) sem saberem quem realmente são. E a Integridade de um jornalista ou policial? Assim como em “Watchmen”, Mikael Blomkvist, da “Trilogia Millennium” é varias vezes obrigado a esconder a verdade sobre grandes criminosos para proteger a vida e a integridade de outras pessoas, inocentes e vítimas. Ele ignora sua própria integridade côo jornalista e também a lei, para cuidar de outras pessoas.
Apesar de todo esse niilismo, a falta de significado não é, de forma alguma, desesperadora. É maravilhosa a discução sobre Escolha na trilogia "Matrix". Na luta final entre Neo e Smith, este pergunta "Por que, sr. Anderson, por que? Por que está fazendo isso? Por que se levantar? Por que continuar lutando? Acredita que está lutando por algo mais do que sua própria sobrevivencia? Pode me dizer o que é? Será que sabe? Será por liberdade? Verdade? Talvez por paz! Será que é po amor? Ilusões, sr. Anderson. Defeitos da percepção. Criações temporárias de um fraco intelecto humano tentando desesperadamente justficar uma existencia sem sentido ou meta! E todas elas são tão artificiais quanto a própria Matriz, embora só a mente humana pudesse criar algo tão insosso quanto o amor. Deve ser capaz de enxergar, de saber, a esta altura que não pode vencer! É inutil continuar lutando! por que, sr. Anderson? Por que você persiste!?"
Smith está certo. Neo objetiva a paz entre humanos e máquinas, mas mesmo isso não lhe diria respeito se ele não quisesse. Ele sempre teve a escolha de desistir e virar as costas. A Oráculo lhe disse que ele teria essa escolha. Escolha, sempre escolha. “O problema é a escolha” Neo disse certa vez. Toda a filosofia da trilogia tem como base a Liberdade de Escolha, e não a discução sobre mundo real ou mundo de sonhos, como muitas pessoas pensam e acabam por desconsiderar o Reloaded e o Revolutions.
Neo é um herói quase divino, tem um papel messiânico na história, mas não tenta ser dono da verdade. Ele não responde ao Smith com argumentos contra o niilismo deste, ele sabe que Smith está certo. Então a resposta é pequena, quase vaga, mas verdadeira: “porque está é a minha escolha.”
Na época do lançamento da versão cinematográfica da sua garfic novel “300”, Frank Miller deu entrevistas onde deixou claras algumas de suas filosofias. Segundo ele, um herói não é quem tem um distintivo ou é aplaudido no final, mas aquele que faz o certo porque é certo, mesmo que não vá receber o devido reconhecimento. Seus personagens, os 300 espartanos que lutaram contra o Império Persa de Xerxes, deixaram para trás suas familias e amigos, sabiam que iriam morrer, por isso nem mesmo a vida era tão valiosa para eles. O que, então, era mais importante? Eles representavam ideias de igualdade, liberdade, democrasia. Era para isso que eles lutavam? De certa forma sim, mas não só. Eles sabiam que morreriam sem derrotar o exército inimigo. Então, de que valia a pena lutar?
Eles morreram por uma imagem. Ou melhor, para destruir a imagem que o Império Persa tinha. Acreditavam que aquele exército era imortal, então os espartanos lutaram para acabar com essa imagem, e mostrar que até mesmo o auto intitulado Deus Xerxes podia sangrar. A imagem destruida foi o que encorajou os demais povos da Grécia a lutar contra os persas também.
Imagens são ambiguas. Tanto representam quanto velam mensagens. “The Dark Knight”, o ultimo filme do Batman, teve tanta ação e efeitos especiais capazes de deixar louco quem quer que assistisse. Heath Ledger tornou seu Coringa um personagem único e exclusivo, e não apenas uma versão live-action do personagem dos quadrinhos. Mas não foram esses elements que tornaram “O Cavaleiro das Trevas” um filme tão bom, muito embora tenham contribuido.
O enredo do filme discute a questão das imagens, contra-balanceando o cavaleiro das trevas, Batman, com o cavaleiro branco, Harvey Dent. Enquanto aquele é um mascarado que faz justiça com as prórpias mãos, Harvey é um promotor público disposto a fazer o bem, inspirando toda a população de Gotham. Um é um herói que a cidade precisa, e outro é o que a cidade merece. O relacionamento entre os dois, assim como o jogo de imagens, é levado ao extremo com o personagem Coringa. Este sabe que Harvey é a inspiração de Gotham, então seu verdadeiro inimigo no filme não é o morcego. Coringa quer tirar a esperança das pessoas, e para isso precisa mostrar que até mesmo o melhor dentre eles, ou seja Harvey Dent, pode mudar de lado e se tornar um assassino louco. Coringa é responsavel por mostrar as duas faces do Duas-Caras. “Ou você morre heroi, ou vive o bastante para ver você mesmo se tornar vilão” disse Harvey.
O final do filme é lindo, porque Batman entende o jogo de imagens, e decide se tornar vilão, para que Harvey seja um herói e continue a inspirar a população de Gotham. “As vezes, a verdade não é boa o bastante. As vezes, as pessoas merecem mais. As vezes, as pessoas merecem ter sua fé recompensada.” Assim Batman deixa de ser herói, deixa a Verdade, deixa sua liberdade. O terceiro filme enfrenta dificuldades porque um de seus atores principais morreu, e fez o favor de ser tão bom que se tornou insubstituível. Talvez nunca saibamos pelo que o Batman lutaria. Mas ele perdeu tudo, em troca de algo que não foi nomeado ainda.
Só a Clarice Linspector pode entender o Batman. Ambos sabem. “Liberdade é pouco. O que eu desejo ainda não tem nome.”