domingo, 27 de outubro de 2013

O Homem de Aço

“Eles vão correr, tropeçar, cair, engatinhas e praguejar, e, finalmente, eles se unirão a você no sol.” Um novo Super-Homem se impõe. Ao sair do cinema, um monte de implicações e explicações dessa imposição vem à mente. Mas, no meu caso em particular, todas as considerações tiveram de ceder a prioridade no momento em que os créditos começaram a aparecer, pois foram interrompidas pela salva de palmas dos expectadores. Só havia visto um publico de cinema aplaudir em “Os Vingadores”, mas, diferente dos heróis da Marvel que receberam palmas na cena-chave da reunião em circulo que já tinha sido vendida pelo marketing como um hit de sucesso planejado, os aplausos para o Homem de Aço foram de espontânea satisfação após um épico conturbado, mas esta conturbação é apenas uma das inúmeras implicações e explicações. Não é de hoje que se criticam as histórias do Christopher Nolan por serem frias demais, suas obras são mais de idéias que de emoções, seu roteiro para uma aventura do Superman não foi diferente. Para quem viu a versão de 1978, é impossível não sentir falta dela durante a jornada de auto-descoberta de Kal-El, muito mais bonita na versão de Richard Donner do que na de Zack Snyder. Por isso fica o receio durante o terço do meio do filme de que a imposição do novo Superman não seja bem-recebida pelo publico. Outra questão que fica é que, apesar das histórias do Nolan serem sustentadas por idéias, isso não significa que todos os seus roteiros sejam primorosos, e “Mano f Steel” passa a impressão de ter o roteiro com menor numero de paginas entre os demais escritos por ele. Não, isso não quer dizer que o roteiro seja ruim, mas parece que o que foi priorizado formas os efeitos especiais para representar a destruição em massa. Mas há um porém nessa prioridade: trata-se de um filme do Superman. Para explicar melhor esse porém, precisarei de outra nota pessoa. Ao ver um filme derivado de qualquer outra mídia sempre tento julga-lo pensando “esse filme seria considerado bom se já não tivesse tantos fãs que gostam do material original?”. Quero dizer, uma dos melhores elogios que vi para o filme “O Cavaleiro das Trevas” foi que ele seria bom mesmo que não tivesse o Batman e o Coringa na tela, dado o realismo do filme e a força da história, o espectador ficaria tão fascinado que gostaria mesmo que o Batman fosse um simples policial e o Coringa um terrorista qualquer. “O Homem de Aço” pode ser julgado de tal forma? É aí que vem o porém: Superman é o mais poderoso e significativo personagem de quadrinhos. Ele foi o primieor super-herói a ser criado e em seus 75 anos de existência recebeu camadas e mais camadas de significados e simbolismos, o personagem se torntou tão grande que não pode ser dobrado e adaptados aos caprichos de um filme, mas ele é que se impõe ao filme. E agora retomo o ponto da prioridade dos efeitos: Superman é um deus e exige uma aventura em uma escala impossível de ser feita sem os efeitos especiais que temos hoje, foi priciso se concentrar na ação e nos efeitos para caber no filme um personagem de tal grandeza. No presente isso é necessário para trazer de volta o Superman em toda a sua majestade, o que não exclui a questão “será que no futuro, quando o fã já souber a coreografia das lutas de cor, o filme não se tornará enfadonho?”. Temo que a resposta seja infeliz, mas, quem sabe?, dada a profundidade do personagem, ele possa impor sua importância e significados sobre a exaustiva destruição constante? Isso acontecerá se as seqüências tiverem mais cuidado com os roteiros. Mas apesar desses vários parágrafos sobre efeitos-especiais e longas considerações, eles servem também para retomar o segundo parágrafo e reconsidera-lo. Apesar da frieza e didatismo do meio do filme que pecam se comparados ao de 78, é impossível não se encantar com o mundo de Krypton apresentado logo no começo, nem deixar de vibrar com pelo menos algumas das lutas entre kryptonianos na parte final, algumas das melhores cenas de ação já produzidas. E já que retomei o segundo parágrafo, é importante resaltar a forma como o Nolan constrói uma história, alicerçando-a em idéias mais do que em emoção. Se ao expectador médio faltar a sensibilidade intelectual necessária para perceber as idieas sendo ecoadas nas frases e trabalhadas nas ações, este expectador pode até terminar o filme com uma sensação boa. Mas para quem consegue captar essa dicotomia, a experiência será mais rica. A idéia central do filme é o livre-arbítrio. Os kryptonianos são gerados artificialmente e suas características genéticas são definidas para desempenhar um papel social. Kal-El foi gerado naturalmente, ele não tem um propósito definido, portanto ele pode se tornar o que quiser. Jonathan Kent lhe deixa até a escolha de optar pela maldade quando diz “você deve decidir que tipo de homem vai ser quando crescer, porque, seja ele bom ou mau, vai mudar o mundo.” Para entender a complexidade do tema,podemos até lembrar da trilogia “Matrix”: se no primeiro filme o vilão Smith persegue Neo por ser esta a missão que recebeu, no segundo filme ele o persegue porque Neo o libertou da Matriz e assim, sem ter quem lhe dê propósito, Smith encontra propósito em perseguir e se vingar daquele que lhe tirou esse propósito dando-lhe liberdade. Liberdade tem relação com propóstio, como exposto no exemplo acima, mas se pensarmos na perspectiva sartreana, liberdade acarreta em responsabilidade: “eu sou livre para fazer o que quiser, escolher o que quiser, então também sou responsável por tudo que faço.” Isso coloca uma carga enorme nos nossos ombros e uma maior ainda nos de alguém tão poderoso quanto o Superman. Não é denegrir o maior herói da DC Comics ao citar a moral do personagem da editora concorrente: com grandes poderes vêm grandes responsabilidades. Kal-El é um refugiado em nosso plante, e revelar seus poderes implica em se expor, e sua exposição tem tudo a ver com a questão da liberdade e da escolha. Em dois momentos chaves do filme, Kal-El tem de escolher entre a vida e a morte de alguém. É interessante notar que sem se expor, ele não tem liberdade, e as conseqüências são terríveis, mas, quando se expõe e tem de escolher, a responsabilidade é tão grande, as escolhas são tão mais difíceis que parece até que ele perdeu sua liberdade e ficou sem escolha. Esse segundo momento foi o único que gerou burburinho na platéia até então muda da minha sessão, e sem duvida foi a decisão mais polemica entre todas da produção desse filme. Mas se você tiver a sensibilidade para ver esta obra como um filme de idéias, você sairá transformado e nunca mais verá as coisas como antes. E, que sabe?, transformado assim você possa decidir ser uma pessoa melhor, alguém moralmente mais forte, superior, um super-homem que ajudará as pessoas a realizar maravilhas, que lhes dará um ideal pelo qual lutar, que as fará segui-lo e, mesmo tropeçando, unir-se-ão todos no sol.

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