sábado, 23 de abril de 2011

Relação Indivíduo e Ambiente 3: O Confronto Final – Como o cinema tem trabalhado a questão da Realidade


A Realidade não é o mundo material, fisico, em que andamos. Também não seria correto afirmar que é o mundo individual, fantasioso, o mundo que existe apenas na mente de cada um. A Realidade é construida pela relação ente o objetivo e o subjetivo. Para trabalhar essa questão temos como exemplos mais recentes os filmes “Sucker Punch-Mundo Surreal”, “The Inception” (ou “A Origem”, como veio para o Brasil) e “Cisne Negro” (“Black Swan”, no original), que serão comparados, neste texto, com filmes mais antigos que têm como tema essa mesma questão: “Fight Club” (“Clube da Luta”), “The Matrix” e “Truman Show” (“O Show de Truman”), começando com Cisne Negro e Clube da Luta, que trabalham mais o idivíduo do que sua relação com o mundo físico.
O que diferencia o Clube da Luta e Cisne Negro dos demais filmes é que estes tratam da construção da personalidade ou do individual pelo relacionamento com o mundo externo, enquanto a temática dos demais é o relacionamento ou o conflito em sí entre indivíduo e ambiente. No Clube da Luta o protagonista sempre procura um ambiente confortável para ele, uma forma de se sentir bem, de preencher o vazio que sente em sí mesmo. Para tanto, ele apela para um monte de soluções, e abandona cada uma sempre que surge algo que o faça se sentir mehor, como um viciado sempre à procura de uma droga mais forte. Ele começa com remédios anti-depressivos, passa para o consumismo exagerado, grupos de auto-ajuda, até que sua personalidade seja totalmente libertada quando começa seu relacionamento com Tayler Durden. Tayler o faz sentir bem, relaxado, despreocupado. Um terço do filme trata do protagonista procurando o melhor método para alcansar a felicidade, o segundo terço mostra a assimilação da sua personalidade à personalidade do Tyler, e a ultima parte é o conflito entre os dois; ou, em outras palavras, o personagem tem de matar seus pais, seu deus e seu professor (http://pt.wikipedia.org/wiki/Fight_Club).
Cisne Negro é como o Clube da Luta: a protagonista tem de atingir as expectativas das pessoas com quem convive, sua personalidade vai mudando de acordo com os relacionamentos que ela procura para atender às expectativas. Seu desejo interno (ser perfeita) só será alcansado se ela cumprir o desejo do ambiente (ser a atriz que a companhia precisa). Em ambos os filmes, a personalidade/individualidade/identidade dos protagonistas é construida através da relação com o ambiente ao seu redor.
Enquanto estes dois filmes mostram uma personalidade em constante mudança por causa da Realidade em que vivem, os demais filmes estão mais interessados em explorar a relação entre subjetivo e objetivo de seus respectivos personagens com os ambientes. Nessas histórias (com exceção de Sucker Punch) existe o dualismo Mundo Fisico (também chamado de Real) X Mundo dos Sonhos.
Matrix e Truman Show são histórias de libertação, mais do que de discução sobre a natureza da realidade. Nesses dois, os protagonistas descobrem que o mundo em que vivem é falso e a trama mostra como eles farão para se desfazer da ilusão. (em Show de Truman é como ele vai sair desse mundo e em Matrix é como o mundo será destruido) Acontece que ambos os filmes trabalham com o fato de existir de fato um mundo irreal em que não há possibilidade das pessoas serem realmente felizes (em seus respectivos contextos), por isso eles devem se libertar, ficando a discução sobre a realidade em segundo plano. Ainda que Matrix brinca um pouco com essa questão, como quando Morpheus pergunta “o que é real? Como você define real? Se real é tudo aquilo que você pode tocar, ver, sentir e cheirar, então a realidade nada mais é do que um conjunto de correntes elétricas interpretadas pelo cérebro”, ou seja, o filme sugere algumas hipóteses para a definição da realidade. Talvez a maior reflexão que se possa fazer apartir de Truman Show seja procurar um valor intrinseco no mundo fora da ilusão que o faça valer mais do que esta, mesmo que ambos sejam identicos (um personagem até mesmo diz que em ambos os mundos os problemas são os mesmos, a única diferença entre eles é que dentro da ilusão, Truman não teria oque temer); mas trabalhar com um mundo verdadeiramente irreal, ou seja, ceder ao dualismo, perde a força da sutileza e da verossimilhança. São filmes ótimos para quem quer ver essa questão como temática, mas fico pensando que “O Guru do Sexo”, que não usou a discução como tema, mas sim, de uma forma mais prática, não seria mais valido para não-filosofos justamente por sua praticidade.
The Inception se apega à um único lado do dualismo, brincando com ele mas, mas não de forma tão inteligente ou filosoficamente imprecionante como muita gente pensa. Este usa a idéia de sonho-dentro-de-sonho, permitindo imagens fascinantes, mas sem interesse intelectual nessa idéia em sí (ok, o problema de “como implantar uma idéia para fazer com que um empresário liquide com sua própria empresa” é muito bacana e original, mas o filme não nada culto ou filosófico, as comparações com Matrix são exageradas)
Fugindo a todo dualismo e trabalhando a questão da relação entre o individuo e o ambiente melhor e de forma mais completa que os demais, Sucker Punch- Mundo Surreal aparece com uma história simples, descompromissada até. Seu enredo de aventura e fantasia sem intenções filosóficas ou intelectuais tem uma trama simples, demasiadamente simples: uma garota precisa fugir do manicomio onde foi jogada por seu pérfido padrasto. Ponto, nada de mais, basta roubar a chave do portão e causar uma distração para fugir. Seria até sem-graça, mas o filme desce um nivel da realidade, do mundo material para o mundo subjetivo da protagonista. Só vemos o manicomio no começo e no final do filme, mas todo o desenvolvimento se passa em uma casa de show, ou melhor, numa metáfora do hospital. Não vemos a protagonista tentando fugir do hospital, mas da casa de show, que é um nivel abaixo da realidade objetiva, um pouco mais próximo da mente da personagem. Em cada uma das etapas do plano da garota para fugir do casa de show/hospicio também descemos mais um degrau da realidade, vemos aventuras cheias de ação e fantasia. Mas em nenhum momento o mundo da mente da protagonista foi um subterfugio contra o mundo fisico, mas sim, uma forma da personagem interagir com este. Ela não se vê em uma casa de show para esquecer que está presa num hospício, mas tenta fugir da casa que é, na verdade, o hospital. Aqui se quebra o dualismo, o mundo dos sonhos não é mais uma antítese do mundo material, mas sim, o mundo através do qual a pessoa interage com a realidade exterior.

3 comentários:

  1. Acho muito curioso no filme Cisne Negro, bem diferente do que acontece no filme Clube da Luta, o fato de a protagonista não sair da realidade para conseguir enfrentá-la melhor, mas levá-la ao seu extremo. Suas alucinações levam a realidade ao pé da letra! - Uma vez que se vê transformada no cisne que tanto desejava interpretar.

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  2. Olá, Macbeth,
    Em nenhum desses filmes (com excessão de "A Origem") os personagens fogem da realidade, mas precisam dela, têm de enfrentá-la.
    E isso que você comentou sobre Cisne Negro, "protagonista não sair da realidade para conseguir enfrentá-la melhor, mas levá-la ao seu extremo", ou seja, esse intercambio entre os mundos, mas por meio da imaginação/alucinação da personagem é trabalhada de forma mais explicita e estrema em "Sucker Punch"!

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  3. É uma pena que, de todos os filmes que você mencionou, eu só tenha assistido "Matrix" e "A Origem". E devo dizer que você realmente me deixou com vontade de assistir "Sucker Punch". Agora, meus pensamentos sobre a questão.
    De fato, a Realidade não pode ser encarada apenas como uma manifestação do mundo físico, e nem apenas como o mundo interior de cada indivíduo. Ela envolve as duas coisas, mas não numa proporção fixa. A cada momento os universos Interior e Exterior agem com forças diferentes sobre o indivíduo, fazendo com que este esteja sempre sob efeito de uma força resultante de módulo, direção e sentido variáveis. Um pesadelo para a Física...
    Ou talvez não, porque o mundo Físico é quantificável e menos sujeito aos turbilhões que sofre o universo interior. Se fosse possível estudar a fundo as interações dessa força constante (o mundo físico) com a força caótica ( o mundo interior), aí sim teríamos chance de entender a realidade.

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